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Caso Ricardo Boechat: quantificação do dano moral reflexo e segurança jurídica

No início do mês de julho, veículos de imprensa noticiaram a condenação imposta à Libbs Farmacêutica pelo Tribunal de Justiça de São Paulo de indenizar dois filhos do jornalista Ricardo Boechat, morto em fevereiro de 2019 após queda de helicóptero em trajeto contratado pela empresa farmacêutica. Portais de notícias como UOL [1], Folha de S.Paulo [2] e G1 [3] registraram que a 38ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP reduziu o valor da reparação por danos morais por ricochete de R$ 1,2 milhão — valor fixado em primeira instância — para R$ 600 mil (R$ 300 mil para cada filho).

ConJur

Ao examinar-se o acórdão proferido pro tribunal, percebe-se que os julgadores se utilizaram do método bifásico, afirmando o estabelecimento de “um valor básico de indenização com fundamento no interesse jurídico lesado e no posicionamento jurisprudencial sobre o tema” e, então, o seu “ajuste às peculiaridades do caso concreto, tais como a extensão do dano, o grau de culpabilidade do autor do dano, o sofrimento imposto à vítima, as condições socioeconômicas do autor do dano, dentre outros elementos que se mostrem relevantes”.

Segundo o acórdão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem arbitrado quantias que variam entre 300 e 500 salários mínimos para a indenização por dano moral decorrente de morte de familiar, tal como se deu no julgamento de casos originados da morte de pessoas no rompimento de barragem em Brumadinho, Minas Gerais (REsp 2.098.933/MG, julgado em 16 de abril de 2024). Valendo-se deste julgado, o TJ-SP entendeu pela similaridade entre o caso de Brumadinho e a morte de Ricardo Boechat, guardadas as devidas proporções.

Assim, o TJ-SP afirmou a excessividade do quantum arbitrado em primeira instância em favor de dois filhos do jornalista, com fundamento na jurisprudência do próprio Tribunal, construída à semelhança da jurisprudência do STJ. Atendendo ao método bifásico, após demonstrar o entendimento jurisprudencial, o Tribunal atentou-se às circunstâncias concretas do caso Boechat:

Não se olvida, aqui, o impacto de tão triste acontecimento na vida dos autores; a perda de um pai de forma inesperada e trágica, gerando o que se denomina dano por ricochete, na medida em que a perda da vida de cada indivíduo influi na vida de outros que partilham de seu círculo de convivência, também a perda desse mesmo indivíduo inflige dor e perda inestimável a seus sobreviventes, especialmente a seus parentes mais próximos. […]

Ante o contexto dos autos, o valor da indenização ora ajustado é medida de rigor e não se mostra desarrazoado, desproporcional e tão pouco caracterizador de enriquecimento ilícito. Com efeito, a requerida/Apelante Libbs informa ser uma indústria farmacêutica, integralmente nacional, com quase 70 anos de história, que conta com mais de 2.800 colaboradores em todo o Brasil e produz mais de 50 milhões de unidades de medicamento ao ano, e consta dos autos ter gasto mais de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais) somente na realização do evento para o qual contratou o jornalista Ricardo Eugênio Boechat […].”

Método bifásico

Com acerto agiu o tribunal ao aplicar o método bifásico e, a partir do entendimento jurisprudencial, justificar a possibilidade de redução do quantum. O objetivo deste artigo não é o de avaliar se a indenização arbitrada pelo TJ-SP está consentânea com as provas produzidas nos autos, mas, sim, de examinar a importância do estabelecimento de parâmetros para a quantificação do dano moral por ricochete.

A tarefa de quantificar o dano extrapatrimonial é reconhecidamente um ônus para os operadores de qualquer ordem jurídica. Segundo Antonio Junqueira de Azevedo, apesar das vastas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, nunca se chegou a nenhum critério capaz de pacificar o debate sobre sua quantificação. O autor reputou a dificuldade à falta de acordo sobre os exatos fundamentos da responsabilidade civil por danos morais e acrescentou que se esta questão, hoje, parece menos vibrante, “isso deve antes ao cansaço dos contendores que ao fato de terem encontrado uma solução” [4].

Para Clayton Reis, uma das questões de maior relevância na reparação dos danos morais diz respeito ao conhecimento exato de sua extensão. “Isto porque conhecer a profundidade da dor íntima experimentada pela vítima é uma tarefa extremamente difícil. Afinal, a nossa personalidade é formada por um universo de sentimentos e sensações multiformes”. Neste particular, não há conceitos definidos, pois não há “como estabelecer regras de valores exatos nesse campo” [5].

Ao dano imaterial há de ser imputada uma reparação pecuniária, e esta deve ser paga. Não há arbitrariedade na compensação em si. Arbitrária é a reparação quando aplicada sem restrições e desproporcionalmente ao prejuízo que se pretende reparar. Por isso, “é sempre necessária uma prova mais aprofundada da extensão do dano” [6].

Apesar de a aferição do quantum caber à casuística, é possível o estabelecimento de critérios a serem observados pelo julgador, considerando a aplicação do método bifásico. Em um primeiro momento da quantificação do dano, o julgador deverá, a partir de exame jurisprudencial, considerar o quantum normalmente atribuído em situações semelhantes. Depois, serão considerados os elementos do caso concreto, momento em que haverá espaço para majorar ou reduzir o valor ilustrado na jurisprudência, fixando-se definitivamente a indenização [7].

Para Humberto Theodoro Júnior, na quantificação deve o julgador agir conforme a prudência e a equidade, para evitar-se que as ações de reparação de dano moral “se transformem em expedientes de extorsão ou de espertezas maliciosas e injustificáveis”. Assim, hão de ser consideradas as posições sociais e econômicas da vítima e do ofensor, “de maneira que o juiz não se limitará a fundar a condenação isoladamente na fortuna eventual de um ou na possível pobreza do outro” [8]

Yussef Said Cahali adverte não haver como eliminar certo “subjetivismo” na estimação pecuniária do dano moral reflexo, mas afirma que este “subjetivismo” é precedido por etapas em função das quais o poder de arbítrio do magistrado sofre algumas limitações, nas quais hão de ser observadas, dentre outras questões, a gravidade da culpa e o exame das condições das partes envolvidas [9] [10]. Critérios balizadores são necessários para evitar-se a arbitrariedade, permitido o seu afastamento quando a situação assim impuser.

Para Antonio Junqueira de Azevedo, decisões que aumentam as indenizações por danos morais inserindo no quantum valores a título de punição ou desestímulo significam mau direito, pois estas verbas não são cobertura dos danos sofridos pela vítima. Centram-se, na verdade, no agente causador do dano, e não na vítima [11].

Neste sentido, reputa-se válida e legítima a métrica estabelecida pelo STJ de indenização entre 300 e 500 salários mínimos para o dano moral por ricochete em caso de morte. Não se trata de tarifação, mas de parâmetro que atende à primeira etapa do método bifásico de indenização.

À segunda etapa cabe a verificação dos elementos seguintes: (a) possibilidades econômico-financeiras de ofensor e vítima reflexa; (b) grau de culpa do ofensor; (c) extensão do dano reflexo; (d) quantidade de vítimas reflexamente atingidas pelo mesmo evento danoso.

Esta forma de quantificação é chamada por Antonio Jeová Santos de “regulação do quantum indenizatório”. Para o autor, regular a indenização não significa criar pisos mínimos ou tetos máximos, como ocorre na tarifação, mas “deve deixar-se uma margem à valorização judicial, que permita transpor, em mais ou em menos, os reguladores indicativos que a lei possa estabelecer” [12]. Em outras palavras, regular não diz respeito a estabelecer um valor mínimo ou um valor máximo indenizatório, mas oferecer critérios básicos e seguros para a quantificação.

Fonte: www.conjur.com.br

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