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Desconsideração de PJ pode ser aplicada a recuperandas em casos específicos

O aumento de pedidos de recuperação judicial de empresas no início de 2023 trouxe à tona uma preocupação recorrente, sobretudo, entre credores que subitamente deixaram de receber: a desconsideração da personalidade jurídica — quando os executivos, sócios ou administradores passam a responder, com seu patrimônio, pelas dívidas contraídas pela companhia.

A desconsideração da personalidade jurídica ocorre quando a Justiça entende que a empresa não tem autonomia patrimonial e que seus sócios utilizaram a companhia para cometer fraudes. Nesses casos, a Justiça pode determinar que os bens pessoais dos sócios sejam utilizados para quitar as dívidas da empresa.

O tema ganhou relevância com a série de ações que alguns investidores das Americanas estão movendo para tentar desconsiderar a personalidade jurídica da empresa e fazer com que os três principais acionistas (Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles) respondam com seus patrimônios individuais.

Via de regra, o processo de recuperação judicial não permite a desconsideração da personalidade jurídica. Isso porque o objetivo da recuperação é, como o próprio nome sugere, auxiliar a empresa em dificuldade a restabelecer suas atividades. A Lei de Falência (11.101/2005) é expressa ao dizer, em seu artigo 6º-C: "é vedada atribuição de responsabilidade a terceiros em decorrência do mero inadimplemento de obrigações do devedor falido ou em recuperação judicial".

"Um pronto procedimento para atendimento da crise deve reduzir as chances de desconsideração, visto que esta crise, geralmente, advém do não pagamento de verbas trabalhistas, previdenciárias e tributárias, ou quando há ocorrência de fraude ou confusão patrimonial. Inexistindo débitos trabalhistas, dívidas tributárias e previdenciárias, a chance de uma desconsideração reduz-se sobremaneira", explica Luiz Antonio Varela Donelli, advogado especialista no assunto e sócio do escritório Donelli, Abreu Sodré e Nicolai Advogados.

Situações excepcionais
Porém, Leonardo Barros Campos Ramos e Débora Sipolatti Pasolini, advogados da área societária do SGMP Advogados, explicam que o Código de Processo Civil não limitou a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e o pedido pode ser feito no curso de um processo de recuperação ou falência, caso estejam demonstrados os requisitos do artigo 50 do Código Civil.

O dispositivo diz o seguinte: "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."

Além disso, a desconsideração pode ser determinada independentemente do processo de recuperação. "Não há óbice na aplicação da desconsideração pelas demais searas do Direito (trabalhista, consumerista, ambiental) em processos autônomos, o que é aplicado amplamente pelos tribunais", diz Débora Pasolini.

"Sim, inclusive, em Agravo Interno no Conflito de Competência 160.384, em voto de relatoria do Ministro Raul Araújo, a 2ª Seção do STJ reafirmou que não há competência exclusiva do Juízo da RJ para determinar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária em recuperação, uma vez que o que vão ser atingidos são os bens dos sócios, e não da sociedade", explica Leonardo Ramos.

Obrigação de ressarcir
Sócios, administradores e contadores podem e devem responder por eventual fraude, se comprovada. A prática de ato fraudulento constitui crime falimentar, nos termos do artigo 168 da Lei de Falências. Portanto, qualquer agente que pratique ato fraudulento em benefício próprio ou de terceiros, que prejudique ou possa prejudicar credores, é sujeito ativo do delito.

"A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial 1829682, já reconheceu que a existência de um crime e do seu autor em sentença condenatória penal, ainda que não tenha havido o trânsito em julgado do processo, pode amparar a condenação em ação indenizatória na esfera cível, o que pode ser estendido aos processos de recuperação judicial", lembra Leonardo Ramos.

"Isto porque", completa Débora Pasolini, "o artigo 935 do Código Civil adotou o sistema de independência entre as esferas cível e criminal, mas essa independência é relativa, visto que, uma vez reconhecida a existência do fato e da autoria no juízo criminal, essas questões não poderão mais ser analisadas pelo juízo cível".

Proteção de sócios e gestores
Leonardo e Débora explicam que uma das possibilidades é buscar recursos financeiros para a sociedade por meio de empréstimos ou títulos de crédito para recuperar o caixa da companhia, quitar dívidas e viabilizar a atividade empresarial.

"Além disso, no caso de recuperação judicial, é possível a previsão expressa no plano de que as ações contra avalistas e coobrigados serão suspensas enquanto a empresa estiver adimplente. Outro ponto para consideração é que, fora da recuperação judicial, os sócios evitem assinar contratos de empréstimo ou títulos de crédito sem que a sociedade tenha lastro que possa garantir o pagamento da dívida, ainda que parcial", alerta Débora.

Outra possibilidade, lembra Ramos, é a contratação de um seguro D&O, voltado para executivos e diretores, a fim de cobrir os custos com defesa, condenações de indenização a terceiros e reclamações de acionistas.

Esse tipo de seguro pode ser acionado em caso de desconsideração da personalidade jurídica. "Para acionamento da cobertura securitária, seria necessário que o ato estivesse relacionado ao ato de gestão e não praticado com dolo, desde que o seguro contratado tenha cobertura para indenização a terceiros", afirma Débora.

Fonte: www.conjur.com.br

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